Demência na Voz dos Gerontólogos

Demência, de acordo com a Alzheimer Portugal, é o termo utilizado para descrever os sintomas de um grupo alargado de doenças que causam declínio progressivo no funcionamento da pessoa. Apesar de ser uma doença que não faz parte do processo de envelhecimento natural e de poder surgir em qualquer idade, é uma patologia mais frequente na população com 65 ou mais anos. 

A Doença de Alzheimer é o tipo de demência mais comum, interferindo significativamente na capacidade da pessoa em manter as suas atividades de vida diária. A 21 de setembro, o mundo assinala o Dia da Doença de Alzheimer, com o grande objetivo de aumentar a literacia das pessoas em relação a tipo de demência, nomeadamente sobre os sinais de alerta, a importância de um diagnóstico precoce, entre outros. 

O Gerontólogo desempenha um papel importante na intervenção com pessoas com doenças neurodegenerativas - como o caso das demência -, em colaboração com a equipa multidisciplinar e com um foco multidirecional, considerando não só a capacidade intrínseca de cada pessoa, mas também os ambientes em que elas se inserem, nomeadamente a família, a rede de suporte, os serviços da comunidade e a sua residência (comunidade ou ERPI). Por isso, para assinalar o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, a Associação Nacional de Gerontólogos desafiou os associados a partilharem um pouco sobre a sua experiência na intervenção com pessoas com demência. 

Ema Amador e Rute Teixeira

Rute Teixeira e Ema Amador são Gerontólogas e gestoras de clientes na Culsen - Apoio domiciliário, no Porto.  

Quais são os principais ganhos e desafios de trabalhar com pessoas com demência?

Em termos de ganhos, destacamos a constante adaptação que nos é exigida aos desafios diários de trabalhar com a pessoa com demência. Os dois desafios que destacamos são, por um lado, a confrontação do técnico com a perda de capacidades da pessoa com demência e a negação por parte da família em relação a todo o processo. 

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais valia para quem trabalha com pessoas com demência?

A formação em Gerontologia permite-nos ter uma visão mais holística da pessoa idosa e conseguirmos identificar as necessidades e expectativas, quer da pessoa mais velha, quer da sua família. 


Luís Gonçalves 

Luís Gonçalves é Gerontólogo e Diretor Técnico na “Próxima Idade”, um projeto recentemente criado pelo próprio e que propõe desenvolver soluções inovadoras ao nível do apoio à pessoa mais não institucionalizada, oferecendo um acompanhamento multidisciplinar, estando comprometido com a implementação do conceito “Ageing in place” (envelhecimento em casa) no concelho de Castro Daire.

Quais são os principais ganhos e desafios de trabalhar com pessoas com demência?

Os principais ganhos incluem o sentido de realização pessoal, utilidade e importância no quotidiano das pessoas com demência. Em termos de desafios, destacaria a necessidade de constantemente mantermos a nossa resiliência psicológica num nível elevado de forma a prestarmos sempre os melhores cuidados/intervenções.

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais valia para quem trabalha com pessoas com demência?

Sabemos que a demência é uma doença neurodegenerativa que pode acontecer com o avançar da idade. Por isso, e sendo o gerontólogo um especialista em envelhecimento humano, estes profissionais podem ser uma mais valia para quem trabalha com a demência e devem ser vistos como imperativos para o cuidado/intervenção desta população. Só assim, todo este enredo de colmatação das necessidades de pessoas mais velhas com demência, será levado a cabo com excelência e qualidade de vida.

Há algo mais que gostarias de acrescentar? 

O meu trabalho especificamente neste âmbito é sempre realizado em formato de intervenções individuais, com foco na utilização do domicílio do próprio. No que conta ao trabalho com os cuidadores informais ou formais de pessoas idosas com demência, tentamos manter sempre uma mentalidade pedagógica ao explicar sempre o que estamos ou pretendemos fazer, esclarecer dúvidas sobre a patologia ou procedimentos no cuidado e com maior destaque elucidamos para uma melhor abordagem e comunicação verbal ou não verbal para com o idoso com demência.


Natália Duarte

Natália Duarte é Gerontóloga e Investigadora na Santa Casa da Misericórdia de Riba D’Ave, especificamente no Centro de Investigação, Diagnóstico, Formação e Acompanhamento das Demências (CIDIFAD). O CIDIFAD apresenta respostas de unidade de dia e de internamento para pessoas com demência. 

Quais são as suas principais funções? 

As minhas principais funções no CIDIFAD incluem pesquisar oportunidades de financiamento e desenvolver e implementar projetos de investigação-ação e projetos de intervenção, contribuindo, ainda, para a gestão formativa da Santa Casa da Misericórdia de Riba D’Ave.

Quais são os principais ganhos e desafios de trabalhar com pessoas com demência?

No contexto do CIDIFAD  a experiência de trabalhar com (ou para) pessoas com demência tem sido maioritariamente positiva. O trabalho diário em articulação com a equipa terapêutica e a contribuição para o desenvolvimento de intervenções adequadas às pessoas com demência transmite-nos a “sensação de dever cumprido” sempre que conseguimos atingir alguns objetivos. Outro aspeto que muito valorizo é a satisfação transmitida pelas pessoas com demência e dos membros familiares. Simultaneamente, o facto de ser um trabalho desafiante, que exige uma adaptação quase diária às necessidades das pessoas, uma procura constante de informação e de boas práticas, e que requer rigor, mas também alguma criatividade torna o nosso trabalho pouco rotineiro o que é motivador.

Por outro lado, como sabemos, a demência é uma doença degenerativa e progressiva e ao longo dos meses assistimos ao aumento da dependência das pessoas com demência que utilizam os nossos serviços e ao falecimento de alguns. Para mim, é esse o aspeto mais difícil.

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais valia para quem trabalha com pessoas com demência?

Falando da minha experiência pessoal, considero que a formação de base em gerontologia é uma mais valia para trabalhar com pessoas com demência. A formação em gerontologia é muito completa, quer a nível teórico, quer a nível prático (ex. estágios) e consegue formar profissionais preparados para trabalhar com várias populações. Em concreto na área da demência, a formação transmitiu-me vários conhecimentos sobre a demência, ajudou-me a avaliar e a compreender as necessidades das pessoas (mais velhas no geral) considerando as várias dimensões (biológicas, sociais, psicológicas, espirituais) e sensibilizou-me também para as necessidades dos cuidadores/familiares. Além disso, a formação de base através do contributo de professores de várias áreas também me mostrou que as equipas multi e interdisciplinares são essenciais para a prestação de cuidados com qualidade e que o trabalho em equipa é fundamental em pessoas com demência.

Há algo mais que gostarias de acrescentar? 

Os serviços especializados para pessoas com demência ainda são raros em Portugal e ainda existe evidencia limitada sobre um conjunto de intervenções que podem ser desenvolvidas para pessoas com demência. No meu trabalho tenho a possibilidade de testar o impacto de algumas intervenções ou serviços inovadores nesta área, como é o exemplo do projeto OLAIA – Mais vida na demência com natureza e arte (apoiado pela Fundação “la Caixa”) ou o Centro de Avaliação e Apoio à Condução Para Pessoas com Défice Cognitivo (apoiado pelo prémio BPI Séniores 2021). Além disso, atendendo às necessidades de formação dos colaboradores que trabalham diariamente com esta população, temos desenvolvido ações de formação específicas na área da demência, como é exemplo, o Curso Base Cuidados na Demência.

O trabalho do gerontólogo pode ser muito vasto e podemos atuar na demência sobre variadíssimas formas contribuindo para o bem-estar e qualidade de vida destas pessoas.


Eduarda Faria

Eduarda Faria é Gerontóloga na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) no Centro Popular D’ Espie Miranda, em Lisboa. Na ERPI, Eduarda está responsável pela avaliação, planeamento e promoção da qualidade de vida dos residentes, colaborando com a equipa multidisciplinar para uma melhor compreensão do processo de envelhecimento (também) dos residentes com demência. Através da sua intervenção, a gerontóloga recorre a intervenções não-farmacológicas (ex.: música, treino cognitivo, atividade física), contribuindo para a adaptação de estratégias para promover a qualidade de vida das pessoas com demência em contexto institucional. 

Quais são os principais desafios de trabalhar com pessoas com demência?

Considero que a vertente mais difícil de trabalhar com pessoas com demência é, sem dúvida, a evolução dos estadios iniciais da demência para os estadios mais avançados. É desafiante observar a pessoa com independência física, mas cognitivamente (cada vez mais) comprometida. Quando a pessoa com demência tem consciência da evolução dos estadios e da perda de competências… é duro.

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais valia para quem trabalha com pessoas com demência?

A formação em Gerontologia dá-nos bases para melhor compreender a pessoa que envelhece. Tendo em conta o número de pessoas com diagnóstico de demência nesta fase das suas vidas, o gerontólogo é fundamental na colaboração/ compressão e adaptação de estratégias para melhorar não só a vida da pessoa com demência mas também de todos os que estão à sua volta.

Há algo mais que gostaria de acrescentar?

É gratificante o feedback da família, no sentido de compreenderem a importância da gerontologia no acompanhamento do processo de adaptação da pessoa com demência no dia-a-dia da instituição. A relação de confiança do profissional, seja qual for a sua formação com a pessoa com demência, é essencial para o sucesso da gestão de sintomatologia associada.


Juliana Pereira

Juliana Pereira é Gerontóloga na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) na Santa Casa da Misericórdia de Sever do Vouga. As suas principais funções incluem a realização da avaliação multidimensional dos utentes para elaboração do seu Plano Individual (PI), a monitorização e avaliação do PI, a organização de reuniões multidisciplinares com a equipa multidisciplinar e, ainda, o planeamento e implementação de estimulação cognitiva (individual e em grupo) com utentes com e sem demência. 

Quais são os principais desafios de trabalhar com pessoas com demência?

Considero que um desafio é a multiplicidade de comportamentos associados a um processo demencial: as pessoas podem sofrer da mesma demência, mas têm comportamentos e respostas à estimulação completamente diferentes. Isto exige que o planeamento da intervenção sejam adaptados a cada pessoa, sendo um desafio para o profissional. 

O melhor de trabalhar com pessoas com demência, principalmente no que diz respeito à estimulação individual, é ver que dia após dia, existem pequenos avanços, pequenas vitórias que me fazem querer continuar ainda mais o meu trabalho.

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais valia para quem trabalha com pessoas com demência?

A formação de base em Gerontologia é sem dúvida uma mais valia para quem trabalha com a demência, dá-nos ferramentas/estratégias para lidar com as diferenças de cada um, visto que o envelhecimento não é igual para todos, não se envelhece ao mesmo ritmo, cada um envelhece de forma única e individual e existe uma série de fatores (biológicos, psicológicos, sociais e ambientais) que vão determinar o processo de envelhecimento. Ao ensinar-nos as diferentes fases da demência, permite-nos ter uma melhor noção do que esperar e também nos ajuda a orientar o Plano Individual de cada pessoa.

Há algo mais que gostaria de acrescentar?

O meu trabalho como Gerontóloga tem sido útil na nossa Instituição, visto que as pessoas que integram a ERPI entram numa fase em que a demência está em estádios cada vez mais avançados. Aqui, o meu papel assenta na integração da pessoa, promovendo sempre a saúde, a otimização da qualidade de vida e a autonomia do utente. É, assim, importante que nós, Gerontólogos, nos façamos ouvir e mostremos que somos importantes para o futuro da nossa sociedade, agindo como agentes transformadores, promovendo ações que vão de encontro à melhoria da qualidade de vida dos indivíduos.


Márcia Vale

Márcia Vale é Gerontóloga e Coordenadora do Centro de Dia do Centro Social da Paróquia de Arcozelo. Nesta resposta social, a Gerontóloga Márcia Vale desempenha funções de coordenação e gestão das equipas, assim como está responsável pela integração de novos utentes e realização dos Planos Individuais, com vista à satisfação das suas necessidades e expectativas. Realiza, ainda, intervenções diretas não-farmacológicas, designadamente estimulação cognitiva, atividade física e atividades socio-recreativas. 

Quais são os principais ganhos e desafios de trabalhar com pessoas com demência?

O trabalho com pessoas com demência é muito gratificante, é como me poder dar a conhecer de novo a alguém diariamente, é um dia ser a melhor amiga da pessoa e no dia seguinte a pior do mundo. Obviamente que traz alguns desafios, como oscilações de humor, agressividade e também as tentativas de fuga da instituição, mas compensa com os sorrisos, as cantigas e histórias. O melhor são as aventuras que se vive no dia-a-dia.  

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais-valia para quem trabalha com pessoas com demência?

A formação de base na área da Gerontologia dá-me um conhecimento mais completo do trabalho com pessoas com demência. Somos capazes de olhar para a pessoa como um ser único, com limitações físicas e mentais, mas também com capacidades e competências, sendo estas trabalhadas e otimizadas de forma contínua com a realização de treinos cognitivos (individual e/ou grupal), treino das Atividades de Vida Diária, entre outros. 

Há algo mais que gostaria de acrescentar?

No Centro de Dia onde exerço funções, todos somos uma família e reconhecemos as potencialidades de todos os utilizadores. Deste modo, se nos forem visitar, não se admirem se virem alguém a ajudar o outro na orientação temporal ou espacial… ou a fazer alguma tarefa simples. Porque incluir é mais que uma palavra, é uma atitude! E nós somos pessoas inclusivas. 


Tânia Pinto

Tânia Pinto é Gerontóloga, com especialização em Psicogerontologia e Psicogeriatria, pós-graduada em Cuidados Continuados e com outras formações na área do envelhecimento. Durante 6 anos integrou uma ERPI e, desde 2021, que desenvolve o seu próprio projeto “Terapias Gerontológicas”, que tem como objetivo promover a saúde prevenindo a doença,  retardando a institucionalização da pessoa mais velha, dando-lhes qualidade de vida. O seu lema é "Dar vida aos anos e não anos à vida!".

A primeira fase é sempre de avaliação, iniciando com uma entrevista estruturada, uma avaliação gerontológica para poder ser traçado o perfil neurocognitivo e, posteriormente, ser possível desenvolver o plano de intervenção. Os serviços prestados em contexto domiciliário são estimulação cognitiva, manutenção física, gerontomotricidade, monitorização dos parâmetros vitais, psicoeducação ao cuidador informal,  acompanhamento a consultas, entre outros. 

Quais são os principais ganhos e desafios de trabalhar com pessoas com demência?

O principal ganho, na minha ótica enquanto profissional, é poder ajudar as pessoas com demência a manter a sua funcionalidade, retardando a evolução do quadro demencial. O maior desafio é quando não conseguimos dar respostas adequadas às necessidades da pessoa mais velha e da própria família, ou quando as nossas respostas são insuficientes.

De que forma a formação de base em Gerontologia é uma mais valia para quem trabalha com pessoas com demência?

A formação de base em Gerontologia dá-nos um conhecimento geral sobre o processo do envelhecimento. O envelhecimento é um processo que traz diversas modificações corporais, como a perda da mobilidade, do equilíbrio, da força e agilidade, modificações psicológicas, como lentificação de raciocínio, diminuição de velocidade de resposta, bem como modificações sociais, como alteração do papel na família e na sociedade. Tudo isto interfere na autonomia da vida diária. Logo estaremos mais atentos aos processos anormais que possam ocorrer e, deste modo, garantirmos o correto encaminhamento para profissionais de saúde (para diagnóstico) e ativando uma resposta mais rápida e adequada.

Há algo mais que gostaria de acrescentar?

A pessoa mais velha, mesmo com um diagnóstico de uma doença neurodegenerativa, continua a ser PESSOA! Neste sentido, devemos, SEMPRE, priorizar os seus interesses e ajudá-la naquilo em que ela já não consegue fazer e deseja ser apoiada. A sociedade deve estar preparada para incluir pessoas com demência.


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