Isto é Violência!

Em 2020, segundo a Associação de Apoio à Vítima (APAV, 2021), 1626 pessoas mais velhas foram vítimas de violência. Mais de três quartos das situações de violência ocorrem em contexto doméstico e, na maioria dos casos, são os familiares próximos (como filhos/as ou cônjuges) os agressores. Mas, afinal, o que é a violência? A APAV, no Relatório produzido no âmbito do projeto “Portugal Mais Velho”, define como: 

Qualquer ação ou omissão, única ou repetida, intencional ou não, cometida contra uma pessoa idosa vulnerável e que atente contra a sua vida, integridade física, psíquica e sexual, segurança económica ou liberdade ou que comprometa o desenvolvimento da sua personalidade.

A violência pode assumir diferentes dimensões – individual, institucional, estrutural e cultural. Estas diferentes dimensões podem ocorrer em vários contextos e podem estar interligadas. Por isso, todos podemos estar em contacto – direta ou indiretamente – com uma forma de violência. Ainda que a violência não configure crime em todas as suas formas, sabemos que coloca em causa os direitos das suas vítimas, onde se incluem as pessoas mais velhas. A idade avançada, a disfuncionalidade familiar, a falta de acesso a direitos sociais e as condições crónicas de incapacidade são alguns dos fatores de risco para a violência contra as pessoas mais velhas (Ribeiro et al., 2021). 

Acreditamos que a violência se revela nos pequenos detalhes do dia-a-dia da vida das pessoas mais velhas, das suas famílias, dos técnicos e das instituições. É sobre os detalhes do dia-a-dia que a Associação Nacional de Gerontólogos lança a sua campanha: “Isto é Violência”. Através da auscultação dos gerontólogos que se encontram no terreno, a ANG coloca em destaque como é que o idadismo – discriminação com base na idade – é estrutural na nossa sociedade, configurando-se como uma forma de violência. 

Institucionalizar a pessoa mais velha sem o seu consentimento, limitar a participação da pessoa mais velha com mobilidade condicionada a serviços públicos cujo acesso apenas se realiza apenas através de recursos tecnológicos... São algumas das situações denunciadas e identificadas pelos gerontólogos. 

Segundo a APAV, a dimensão institucional da violência pode ser mais subtil do que a dimensão particular, pela desnecessidade de se verificarem atos (ou omissões) de violência. As respostas sociais para as pessoas mais velhas podem, por isso, constituir um contexto particular onde a discriminação assume contornos notórios. Alguns exemplos evidenciados pelos profissionais incluem ignorar o direito à autodeterminação, consultando a família para tomar decisões sobre a pessoa mais velha; decidir, pelo próprio, o momento em que recebe acompanhamento para utilizar a casa de banho... ou privar a pessoa institucionalizada dos contactos sociais com a família e amigos. 

Só é possível transformar os pequenos detalhes se identificarmos a direção da mudança. Assim, neste Dia Mundial da Consciencialização da Violência contra a Pessoa Idosa, a ANG e os gerontólogos reclamam a importância da formação e educação sobre o envelhecimento ao longo do ciclo de vida - baseada nos direitos humanos, igualdade e não discriminação – como forma de combater a violência contra os mais velhos. Já a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável eo Relatório “Portugal Mais Velho”, produzido pela APAV, evidencia a importância da formação em Gerontologia e Geriatria, ao longo do ciclo de vida, como uma oportunidade de criar ambientes promotores da participação de todos/as à medida que envelhecem e como forma de combate da violência contra as pessoas mais velhas. 

Todos nós – técnicos/as, cuidadores/as formais ou informais, filhos/as ou netos/as – somos parte do problema ou da mudança. Cabe a cada um de nós decidir em que lado da balança queremos estar, em prol da manutenção da dignidade das pessoas à medida que envelhecem. 



Referências Bibliográficas 

Associação de Apoio à Vítima. (2020). Portugal Mais Velho. Fundação Calouste Gulbenkian. https://gulbenkian.pt/publication/relatorio-portugal-mais-velho/

Associação de Apoio à Vítima. (2021).  Estatísticas APAV Relatório Anual 2021. APAV. https://apav.pt/apav_v3/images/press/Relatorio_Anual_2021.pdf   

Ribeiro, M. D. N. D. S., Santo, F. H. D. E., Diniz, C. X., Araújo, K. B. D., Lisboa, M. G. L., & Souza, C. R. D. S. (2021). Scientific evidence of the violence against the older adult: an integrative review. Acta Paulista de Enfermagem, 34.

Filipa Sousa Luz

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