E de repente… a vida parou: velhice e emoções na pandemia

Envelhecimento e velhice desafiam-nos na realização de aprendizagens e adaptações constantes, mas um desafio desta envergadura ninguém esperava. O envelhecimento envolve uma multiplicidade de mudanças e descontinuidades que desafiam a construção do EU e em situações de crise como a que vivemos os idosos/as sentem-se ainda mais desafiados, na sua identidade e estrutura de personalidade, pois a travagem na quotidianidade habitual e conhecida foi brusca e inesperada.

Este vírus colocou-nos parados, em frente a um espelho. Um espelho que reflete aquilo que somos enquanto indivíduos e sociedade. O Outro como um espelho, agora está mais limitado, uma vez que as relações se fragilizaram pela distância física, mas essencialmente pela distância afetiva que corroí silenciosamente. O outro que nos oferecia novos olhares já não aparece “em carne e osso”, já não nos surpreende com a mesma frequência. Hoje o desafio é encontrar na pausa, movimento, no vazio, criatividade. Aqui relembramos Rollo May quando nos diz que “não há criatividade sem luta”.

Vivemos o que Moffatt em tempos tão bem expressou, noutro contexto, noutro lugar, mas perfeitamente adaptado ao que experimentamos, pois de repente vemo-nos sem nada, diz-nos Moffatt (2011): “parte do jogo da vida é o de poder aprender a substituir uma coisa por outra. Quando não se pode abandonar o que foi, não se pode aceitar o que virá. Mas para isso há que passar pela angústia de, por um momento, ficar sem nada. Para mudar de roupa, primeiro há que desnudar-se”.

Esta é a primeira Pandemia que assistimos em direto. Perante esta realidade, que mudou completamente as novas vidas é natural que emoções e sentimentos associados à instabilidade, incerteza e insegurança, como o medo, o temor e a ansiedade orbitem em torno dos nossos afetos e perturbem nossos pensamentos, pois como referia Moffatt, ainda não sabemos bem o que virá.

Por estes motivos é necessário respeitarmos as nossas emoções para que elas possam ser efetivamente um recurso e não um problema.

Este momento obrigou-nos a um maior distanciamento físico o que para muitos é um distanciamento que é social e afetivo. Existe sem dúvida um antes e um depois. Esta situação de viver uma Pandemia é completamente nova para a maioria de nós, alterou completamente a nossa rotina, gerando apreensão e ansiedade, sentimentos potenciados pelo isolamento e distanciamento, no entanto esta situação desafia-nos na manutenção das relações e dos vínculos prévios.

Quando falamos de Isolamento, devemos falar sempre no plural.  Isolar, significa afastar, distanciar, facto que cada um vai sentir ao seu modo e ao seu jeito,  e sempre de acordo com a sua história e com o seu percurso,  com as suas potencialidades e as suas vulnerabilidades.

Perante este cenário manter as relações vinculares com as pessoas próximas, como amigos, família e colegas, ajuda-nos a dividir tensões, para que desse modo o caminho se torne mais leve.

O isolamento desafia os idosos/as e seus familiares. Quando alguém se sente isolado, quando não encontra sentido para a vida, sente urgência em encontrar um som, um ritmo, uma palavra que o liguem de novo a ela (à vida), necessita de algo que o faça sentir-se acompanhado e seguro. Quando assim é, a palavra exerce o seu carácter de invocação, ela vincula, une, estabelece pontes na memória pela partilha de histórias de vida, desse modo ela ganha a sua função estruturante de integração de vivências, de possibilidade de encontro inter-humano.

Em tempos de confinamento e isolamento social, é necessário ultrapassar todas a paredes e muros utilizando todos os recursos que possuímos. Apesar das fortes limitações de movimento e ação, vivemos aqueles momentos únicos de transição histórica em que o que vem representa incerteza, toca a insegurança e confronta-nos com a instabilidade. O que virá terá de ser criado, terá de ser inventado.  Sejamos criativos.

Apesar das limitações a que estamos sujeitos é urgente ir criativamente além. Ir além respeitando o cuidado de si e do outro, respeitando as exigências do momento de crise, para que todos possamos sair o mais depressa possível desta situação.

Nestes contextos a educação emocional na velhice é essencial, pois com a idade, quando confrontados com a perda de controlo, os idosos/as procuram otimizar o equilíbrio entre os ganhos e as perdas (Iacub, 2013). Tentam ajustar os objetivos e metas de vida conforme as suas capacidades, para assim manterem o bem-estar subjetivo e a satisfação vital (Iacub, 2013).

Do ponto de vista da saúde, na Velhice, as emoções funcionam como uma força de apoio necessária para alcançar o controlo secundário. Ao nível do comportamento estão associadas à obtenção de afetos positivos e a experiências gratificantes que facilitam a obtenção de novas formas de desenvolvimento pessoal. No entanto para que tal aconteça é necessário criar um espaço de suporte e apoio emocional ao idoso/a, onde os idosos possam realmente ser escutados, de forma a fortalecer os seus vínculos, os vínculos consigo, com os outros e com o mundo.

Uma vez que cuidar-se emocionalmente, é cuidar dos vínculos que estabelecemos, tal como nos relembra Rollo May cuidar é reconhecer o outro como semelhante, identificar-se com ele, importar-se com ele. O cuidado é a fonte do amor - quem ama cuida.

Podemos afirmar que o cuidado é uma forma de procura, uma forma de movimento, ou seja cuidar é o modo particular de cada ser humano se mover numa determinada direção Borges-Duarte (2010). Cuidar é uma solicitude para consigo e com o outro. Saibamos cuidar.

Referências Bibliográficas

Borges-Duarte, I. (2010). A fecundidade ontológica da noção de cuidado. De Heidegger a Maria de Lourdes Pintasilgo. Ex aequo, (21), 115-131.

Iacub, R. (2013, agosto). Las emociones en el curso de la vida. Un marco conceptual. Revista Temática Kairós Gerontologia,16(4), ―Las emociones a través del curso vital y la Vejez, pp.15-39. Online ISSN 2176-901X.



Sobre o autor: 

Vítor Fragoso | Licenciado em Psicologia pelo ISMAI (Instituto Superior da Maia); Pós-graduado em Terapia Familiar pelo ISMAI/Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar; Formado em Educação Parental em curso orientado pelo Dr. Hugo Cruz (responsável pelo Projecto Pais XXI); Formado em Coaching, Empowerment e Liderança de Equipas de Trabalho (FPCEUP); Psicólogo especialista em Psicologia Clínica e da Saúde; Psicologia Educacional e Psicoterapia pela Ordem dos Psicólogos Portugueses; Colaborou como Docente na Escola Superior de Educação do Porto; Docente na Pós-Graduação de Educação Emocional em Saúde do Instituto Politécnico de Bragança; Membro do Conselho Editorial da Revista IGT na Rede - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar do Rio de Janeiro; Membro da Research in Education and Community Intervention (RECI) – Instituto Piaget; Professor na Universidade Sénior Contemporânea do Porto e no Instituto Cultural da Maia (Univ. Senior); Formador na Área da Educação e Inteligência Emocional, entre outros.

Vítor Fragoso

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