Idadismo e envelhecimento: uma reflexão para a prática futura

No contexto português, caracterizado pelo progressivo aumento da expectativa de vida, parece pertinente abordar as concepções acerca do processo de envelhecimento e velhice, nomeadamente identificar a manifestação de estereótipos e respetivas repercussões. As alterações ao nível do quadro demográfico, explica em parte, a relevância de explorar este tema no momento atual, dada a importância de podermos partilhar os conhecimentos existentes sobre esta fase da vida. A compreensão da velhice é, assim, orientada pela premissa enviesada do princípio de que as ‘pessoas de idade’ padecem de debilidades que as tornam dependentes de terceiros. Atualmente, apesar da longevidade do ser humano nunca ter atingido valores tão elevados, esta conquista recebe, nos nossos dias, uma interpretação negativa, assentes em construções que associam este processo a incapacidade e dependência, aproximável do patológico. O preconceito contra as pessoas idosas prevalece de forma bastante flagrante e surge diariamente através de diversas formas, configurando-se num dos principais problemas sociais em Portugal. O idadismo é uma forma de discriminação, transmitida nas interações através da presença de imagens, atitudes ou comportamentos discriminatórios, apenas com base no fator idade (cronológico). A valorização dos estereótipos, culturalmente enraizados na sociedade portuguesa, projeta sobre a velhice uma representação social gerontofóbica, contribuindo para a visão negativa que a sociedade tem sobre envelhecimento. Neste sentido, é importante ter em consideração o que representa o envelhecimento e velhice. Pode referir-se, que os conceitos de velhice e de envelhecimento são formas de conhecimento elaborado a partir de informações e imagens externas, experiências e sobretudo, a partir de variáveis sociais e históricas da nossa cultura. 

O envelhecimento, enquanto processo vital, único e individual, é perspectivado de modo muito particular por cada indivíduo. É influenciado por uma multiplicidade de fatores (biológicos, psicológicos, sociais e ambientais), pela sociedade e pelo próprio indivíduo, ao longo do seu percurso de vida. Cada indivíduo é dotado de singularidades e especificidades, conferindo um caráter bastante heterogêneo. Isto significa que, não se envelhece ao mesmo ritmo e como tal, cada pessoa encara o envelhecimento de forma distinta. Por outro lado, a velhice, é compreendida como a última etapa do ciclo de vida e é perspectivada de forma subjetiva por cada pessoa. Chegar à fase da velhice é um processo inerente ao ser humano que deseja viver muitos anos, sendo por isso um fenómeno dinâmico. 

A velhice é então definida como parte do desenvolvimento do homem. A partir destas definições, percebe-se que a velhice, embora caracterizada pela existência de alterações físicas, a sua essência transcende este aspecto, acumulando vivências e experiências das várias etapas da vida. A velhice deve ser assumida como sendo um período de descobertas, permitindo aumentar e aprofundar o sentido de vida e possibilita às pessoas serem agentes ativos na construção e concretização do seu projeto de vida. Porém, permanece a manifestação de atitudes discriminatórias e estereotipadas em relação a este grupo etário, apesar de existirem estudos e dados científicos que contrariam os estereótipos associados ao declínio inevitável e irreversível do envelhecimento, que ocorre com o avançar do tempo. Como tal, não deve ser encarada como sinónimo de doença, tal como é frequentemente assumida nos mais diversos contextos. É fundamental compreender a diversidade individual e cultural de cada indivíduo, sob um olhar holístico que visa propiciar condições para uma mudança de perspectiva em torno do fenómeno, que procura tendencialmente homogeneiza-lo num único grupo etário, normativamente iniciado aos 65 anos de idade. 

Este fenómeno bem como o distanciamento entre as gerações são ainda consequências duma sociedade pautada pelas crenças e valores culturais e sociais como a sobrevalorização da beleza, a glorificação da juventude, o individualismo, a produtividade e a redução do valor humano à utilidade económica. Por sua vez, o discurso anti-idade, que manifestamente está presente nos nossos dias, transforma em “traidor” e “inimigo” o corpo em processo de envelhecimento. Estes moldam as nossas expectativas acerca da pessoa idosa e o que podemos esperar quando envelhecermos, interiorizando à partida todos esses preconceitos, por um lado o medo da dependência e ,consequentemente, o de envelhecer. Em contrapartida, como forma de elogio, cumprimenta-se o idoso pela sua aparência mais jovial. Esta visão redutora, muitas vezes premiada pela cultura da “eterna juventude” incita a uma perceção incorreta das capacidades dos mais velhos, desvalorizando as suas potencialidades e ignorando o seu valioso contributo e sabedoria. Por sua vez, uma visão pessimista do envelhecimento conduz, consequentemente, a associá-lo a uma série de perdas inevitáveis, culminando numa perda definitiva da própria vida. 

As vivências de uma situação de exclusão social e isolamento, assim como a perda de valores, tem um impacto negativo na vida das pessoas. As atitudes discriminatórias podem apresentar um caráter positivo como negativo, isto é, tanto podem funcionar a favor, como podem promover comportamentos ou atitudes contra a pessoa idosa. Nesse contexto, observa-se que as crenças sobre os idosos apresentam-se, por vezes de forma ambivalente. Assim, alguns comportamentos, que aparentemente surgem como forma de cortesia ou delicadeza para com as pessoas idosas são exemplificativos da discriminação positiva e, que em regra geral, são naturalmente aceites por todos, como acontece por exemplo quando alguém dirige um discurso paternalista ou condescendente. De facto, existem comportamentos que podem ser percebidos como cortesia ou amabilidade, podem apresentar manifestações de atitudes discriminatórias e estereotipadas. No grupo de 28 países do European Social Survey, Portugal é um dos cinco países que considera o idadismo como um problema grave, sendo que a discriminação subtil é a que ocorre com maior frequência, nomeadamente a infantilização da pessoa idosa. Esta situação pode influenciar qualquer pessoa, sendo exercida por qualquer elemento da sociedade, nos diferentes contextos do nosso dia-a-dia. A imagem que a sociedade constrói acerca da velhice vai influenciar a forma como esta se vivencia e desenvolve por cada indivíduo. Nesta perspetiva os estereótipos tornam-se inevitavelmente elementos impeditivos na procura de soluções precisas e de medidas adequadas. 

Como defende Kofi Annan «a expansão do envelhecimento não é um problema, antes uma das maiores conquistas da humanidade». Significa que encarar de forma natural a representação da velhice, pode contribuir para uma melhor aceitação desta etapa da vida, sendo benéfico destacar os aspetos positivos que estão presentes neste processo. Esta intervenção requer uma ação consistente e abrangente, sendo fundamental a intervenção no campo da Gerontologia, nomeadamente o Gerontólogo, como veículo para disseminar informação, desenvolver argumentos e conhecimento, através da conjugação de intervenções educacionais e comportamentais (medidas de políticas públicas e ações de formação e de sensibilização) na nossa sociedade. Pretende-se, deste modo, despertar a reflexão sobre a construção de uma cultura gerontológica que permita contribuir para edificar um futuro mais solidário e mais humano, c om vista à prevenção da manifestação de atitudes discriminatórias, disponibilizando informação específica sobre o desenvolvimento normal ao longo do ciclo de vida e as inúmeras potencialidades e recursos que o ser humano possui. Assim, esta relação discriminatória, tendo em conta apenas o fator idade, assume-se como uma manifestação irrealista, desconhecendo as alterações que ocorrem no processo de envelhecimento e na última fase do ciclo vital, a velhice. Deste modo, apontamos a necessidade de se inventar novas formas de convívio e cooperação entre gerações, sem limitações e tabus, de forma a desmistificar as concepções erróneas e injustificadas. 

Acreditamos que as alterações socioculturais e as melhorias verificadas na qualidade de vida, a par da narrativa discursiva do envelhecimento (saudável, bem-sucedido, participado, ativo e informado), podem vir a alterar de forma mais otimista o campo representacional da velhice. Por este motivo, impõe-se à sociedade novas maneiras de ser, viver e valorizar os Maiores. Trabalhar o conhecimento da Gerontologia, levá-lo a um número cada vez alargado de profissionais, divulgar directrizes e conceitos do envelhecimento representam tarefas urgentes e necessárias num país envelhecido. 



Sobre a autora:

Carolina Antunes é licenciada em Gerontologia pelo Instituto Politécnico de Coimbra.  Atualmente, exerce a sua atividade como Gerontóloga, em contexto domiciliário e em Clínicas, através da Consulta de Gerontologia dirigida a pessoas mais velhas e cuidadores informais . Publica mensalmente artigos de opinião em jornais nacionais. Organizadora e oradora em diversos eventos científicos na área do Envelhecimento e Saúde. Ministra workshop’s e formação na área da Gerontologia e Saúde Mental dirigido a Cuidadores Informais, Cuidadores Formais, Instituições e Empresas que prestam cuidados e serviços a pessoas mais velhas.​

Carolina Antunes

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