Ganhos e perdas do envelhecimento

Como em todas as fases do ciclo de vida, a experiência do envelhecimento traz-nos perdas e ganhos que se entrecruzam no nosso quotidiano, em processos de continuidade ou de rutura entre polos aparentemente opostos de pensamentos e emoções que modelam o nosso comportamento. A satisfação que encontramos na vida em idades mais avançadas está muitas vezes associada ao balanço, mais positivo ou mais negativo, que fazemos do que perdemos e do que ganhamos ao envelhecer. 

Podemos identificar perdas em três domínios que aqui expresso de forma dicotómica: da potência à fragilidade, da autonomia à dependência, da socialização ao isolamento. O primeiro corresponde à evolução da potência à fragilidade que ocorre ao longo da vida. Com efeito, o processo de crescimento e de afirmação da adultez dá origem à emergência e ao fortalecimento de características de ordem vária cuja função é assegurar a sobrevivência e a qualidade de vida, bem como o poder de decisão e de ação sobre si próprio, os outros e o mundo. É assim com a força física, ou a competência profissional, ou os papeis sociais. No processo de envelhecimento, sem muitas vezes se perceber quando nem como, a valorização da potência transforma-se progressivamente numa espécie de resistência à fragilização, que pode resultar em conformação ou revolta. 

Designo a segunda perda como uma passagem da autonomia à dependência. No processo de desenvolvimento, valoriza-se a aquisição progressiva de competências diversas, capazes de permitir ao ser humano tornar-se independente, sendo essa independência tida como um sinal de sucesso pessoal e social. No processo de envelhecimento, a valorização da autonomia vai ter de ceder lugar à aceitação de dependências, desafiadora do conceito de si próprio e que inevitavelmente interfere na forma como nos relacionamentos com ou outros. De alguma maneira, passamos a ser dependentes de quem já antes dependeu de nós…

A terceira perda, que designo da socialização ao isolamento, corresponde precisamente à inversão do movimento no relacionamento interpessoal que ocorre quando se envelhece. O movimento expansivo que, ao longo das primeiras fases da vida, se alarga, se diversifica, se intensifica, na velhice, tende a reduzir-se, a estreitar-se, ou a desvanecer-se. Estar com outras pessoas, abrir-se aos outros e ao mundo, manter e fazer amizades, sobretudo integrar novos elementos nos círculos relacionais, torna-se progressivamente mais raro e difícil, quer por motivos circunstanciais, quer por razões mais profundas de natureza cognitiva e emocional, como a dificuldade de compreender o mundo novo e desconhecido em que vivemos, como o receio e a impaciência face ao que é diferente, como a dificuldade de aceitar e integrar mudanças que, sendo indesejadas não deixam, por isso, de ser inevitáveis.E quanto aos ganhos referidos no início? É certo que o ganho mais importante do envelhecimento, crucial até, é a longevidade, é própria vida. Nada se lhe pode comparar. 

Vale a pena, todavia, identificar alguns processos que, em diferentes domínios, podem constituir-se como ganhos relevantes no caminho do envelhecimento. Destaco três que considero com maior expressão nos tempos de hoje: da dispersão à essencialidade, do ativismo à contemplação, da racionalidade à emotividade. Confrontamo-nos hoje com uma imensa variedade e dispersão de situações, de estímulos e de exigências que nos ocupam o tempo, o pensamento e a energia, que nos proporcionam numerosas e atrativas oportunidades de expressão e de ação, mas muitas vezes nos esgotam na sua multiplicidade e, por vezes, duvidosa utilidade. O que comporta o risco acrescido de obscurecer o essencial, aquilo que é mesmo importante para cada um de nós. Por isso se entende, no início do processo de envelhecimento, a miragem da reforma como um oásis de repouso e libertação. Com efeito, a redução, na prática, da dispersão de atividades possibilita, através do tempo liberto, da experiência vivida e da compreensão do sentido da própria vida, perceber essa melhor essencialidade e orientar-se por ela e para ela. A dispersão está muitas vezes associada a um ativismo frenético. O sentimento geral da chamada vida ativa, profissional e não só, está viciado por uma pressão intensa para a realização, para o desempenho de múltiplos papéis e tarefas, que se atropelam, se sobrepõem, muitas vezes se incompatibilizam. A maior parte dos adultos envolvidos e comprometidos com as suas funções, vive hoje cansado, se não exausto, por esse ativismo, na procura de mais-valias imediatas ou antecipadas, que a sociedade valoriza e através das quais, cada pessoa, por isso, se autovaloriza também. Ora, a redução de atividades, que o envelhecimento necessariamente acarreta, abre novos horizontes à reflexão e à contemplação – estética, ética, religiosa - fontes de novas aprendizagens, de renovação, de superação de si e do seu círculo fechado. Poder reforçar esta dimensão da vida constitui, sem dúvida, um desafio empolgante e um ganho incalculável para as gerações mais velhas, como para os mais jovens que com elas convivem.

Por último, o terceiro domínio que identifico - da racionalidade à emotividade. E aqui acabamos como começamos. Só que enquanto nas primeiras fases da vida se valoriza a emotividade com o forma natural de expressão do bebé ou da criança, a intensificação da expressão emotiva que caracteriza a velhice é muitas vezes desvalorizada, se não ridicularizada ou desprezada, e interpretada como sintoma de declínio. Os processos biológicos e psicológicos desta prevalência da emocionalidade no processo de envelhecimento, que a ciência descreve e explica, são mal conhecidos e mal entendidos pelos idosos eles próprios e por quem os acompanha. O peso da racionalidade e da lógica no pensamento atual prepara mal para a vivência de uma emocionalidade que pode ser extremamente rica, em termos pessoais, familiares ou sociais. 

Como fazer então o balanço da vida no processo de envelhecimento? Afinal a categorização dicotómica e rígida resulta enganosa. Por um lado, porque em todas as fases do desenvolvimento humano, há sempre perdas e ganhos que se revelam inseparáveis. Também na velhice. E, por outro lado, porque se alguns são circunstanciais e por isso nos escapam, outros dependem das nossas expetativas e decisões no sentido da valorização, ou desvalorização, do processo de envelhecimento.



Sobre a autora: 

Professora Catedrática Convidada da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, onde desempenha funções de Coordenadora do Instituto de Ciências da Família e do Mestrado em Ciências da Família, da licenciatura em Psicologia e do Mestrado Psychology in Business and Economics. É licenciada e doutorada em Psicologia pela Universidade de Lisboa, onde obteve o título de agregada e foi Professora Catedrática na Faculdade de Psicologia. Na Universidade de Lisboa, desempenhou diversos cargos, nomeadamente Diretora do Instituto de Orientação Profissional e Presidente da Comissão Científica para o Acesso e Acreditação de Qualificações. Com interesses científicos e atividades de investigação, ensino e intervenção nas áreas da Saúde, da Educação e da Família tem desenvolvido, nos últimos anos, intensa atividade no domínio da investigação e educação do Sono, nomeadamente de crianças e adolescentes, no enquadramento de escolas básicas e secundárias, envolvendo pais e professores dos estudantes. Nos últimos anos, tem publicado diversas obras científicas e de divulgação neste domínio, bem como materiais pedagógicos para a intervenção educativa.

Helena Rebelo Pinto

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