COVID19: Evolução e medidas de proteção

A família Coronaviridae contem muitas espécies e subespécies incluindo os coronavírus humanos que são capazes de provocar doença no ser humano. Contudo afeta também muitas outras espécies, sobretudo mamíferos e aves. Têm também a capacidade de atravessar a barreira interespécies e provocar zoonoses.

Todos eles têm como característica comum uma enorme capacidade de mutação e recombinação genética. Os coronavírus humanos já deram origem a duas importantes epidemias relativamente recentes. Durante o inverno de 2002 a 2003 na China apareceu uma nova doença que provocava sintomatologia respiratória aguda e que posteriormente foi identificado como sendo um novo coronavírus apelidado de SARS-CoV do inglês “Severe acute respiratory syndrome coronavírus”. Este vírus encontrava-se geneticamente muito relacionado com um coronavírus não humano cujo reservatório é o morcego e que aparentemente após sofrer mutações foi capaz de infetar/colonizar outros hospedeiros intermédios não humanos e finalmente chegar à nossa espécie. O último caso de SARS-CoV foi descrito em meados de 2004. A segunda epidemia foi identificada em 2012 no Médio Oriente e ficou conhecida como MERS-CoV do inglês “Middle East respiratory syndrome coronavírus”. Chegando a 2019 temos novamente na China um novo quadro respiratório agudo com características sugestivas de ser de etiologia infeciosa e que foi identificado posteriormente como um novo coronavírus que se apelidou inicialmente de nCov19 do inglês “novel coronavírus 2019” e que agora chamamos de SARS-CoV-2. Apesar de ser distinto, encontra-se relacionado com o SARS-CoV de 2002. À doença provocada pelo SARS-CoV-2 chamamos Covid19 do inglês “coronavirus disease 2019”.

Todos estes vírus provocam, sobretudo, quadros respiratórios. Contudo possuem diferenças que são importantes do ponto de vista epidemiológico pois possuem capacidades diferentes de transmissão e patogenicidade (capacidade de provocar doença). A sua transmissão é sobretudo por transmissão direta, pessoa doente a pessoa suscetível por gotículas respiratórias, mas existe a possibilidade de transmissão indireta pela capacidade que este vírus tem de permanecer viável em superfícies.

O SARS-CoV que durou de 2002 a 2004 infetou a mais de 8 mil pessoas em 26 países com uma mortalidade global (todas as faixas etárias) à volta de 10%, O MERS-CoV descrito pela primeira vez em 2012 e que esporadicamente ainda origina alguns casos, foi responsável por 2519 casos confirmados em 27 países com uma mortalidade global de 34,4%. Já o SARS-CoV-2 num muito menor espaço de tempo e à data de elaboração deste texto, infetou 97 mil e 840 pessoas em 73 países com uma taxa global de mortalidade à volta de 2%. Todos estes números estão em constante atualização o que comprova a alta transmissibilidade da doença. Em termos clínicos os quadros são praticamente todos respiratórios. No caso do COVID-19, os dados mais robustos no que diz respeito às características clínicas vêm da China, por razões óbvias, onde numa casuística de 1099 doentes a febre era o sintoma predominante, presente em 88,7% dos doentes seguido pela tosse, presente em 67,8%. As náuseas, vómitos e a diarreia são, aparentemente, sintomas raros. A maioria dos doentes tinha alterações imagiológicas e quase todos realizaram estudo por TC-torácica, onde a imagem predominante era de opacificação bilateral em vidro despolido, padrão presente em várias outras patologias até de etiologia não infeciosa. É fácil perceber pela descrição clínica que o diagnóstico diferencial é vasto, demasiado vasto para se poder dizer que o caso é provocado pelo SARS-CoV-2 e sem dúvida que chegaremos a um ponto em que qualquer quadro respiratório é suspeito de ser provocado pelo SARS-CoV2.

Os dados estatísticos são claros: a idade é um fator de risco para ter doença grave e maior mortalidade. As comorbilidades como a patologia estrutural pulmonar, asma, diabetes e doença cardíaca, estão, também, claramente associadas com a severidade da doença e com um aumento da mortalidade. A imunosenescência, a incapacidade do organismo manter a homeostase (capacidade para manter o equilíbrio do nosso organismo) quando confrontado com um estímulo infecioso, assim como a maior dificuldade no processo de recuperação e a maior possibilidade de intercorrências infeciosas e não infeciosas durante a estadia hospitalar podem explicar o porquê de na população mais idosa se verificar maior mortalidade. Contudo ainda existe uma lacuna importante no conhecimento deste vírus. É necessária uma atenção redobrada na população geriátrica sobretudo nos institucionalizados onde a possibilidade de disseminação generalizada é enorme.

No que diz respeito ao tratamento dirigido não existe até ao momento nada que permita de forma eficaz tratar a doença, apesar de vários fármacos estarem a ser testados e utilizados como o lopinavir-ritonavir, remdesivir, cloroquina e o interferão, a sua eficácia continua controversa.

É no Hospital, pela sua infraestrutura (por um lado e de forma quase inevitável as salas de espera não permitem a distância de segurança entre os doentes devido à grande afluência que sempre se verifica na urgência) e pelo facto de aqui se encontrarem as pessoas mais vulneráveis do ponto de vista imunológico, que as precauções têm necessariamente de ser mais robustas. Contudo é muito difícil, caso o número de casos aumente de forma importante, garantir um isolamento perfeito de todos os doentes sobretudo antes do diagnóstico ser feito e como tal o Hospital deve ser utilizado só em caso não existir resposta por parte das estruturas de saúde primária ou linha de apoio do SNS. As pessoas que se encontrem saudáveis ou apenas ligeiramente sintomáticas devem evitar os Hospitais.

Se como se disse anteriormente não existe até ao momento vacina ou tratamento eficaz qual é a forma que temos de travar este vírus? A nível hospitalar vai passar por uma deteção célere dos casos e implementação de medidas de isolamento de contenção; correta utilização dos equipamentos de proteção individual que permita impedir a transmissão deste vírus a nível hospitalar e tratamento de suporte mais adequado ao doente o que pode variar desde praticamente nenhuma medida no caso da doença leve (estes doentes até poderão permanecer no seu domicilio próprio), até ao apoio do serviço de medicina intensiva com suporte orgânico.

Contudo o aspeto fundamental e a pedra basilar do combate a esta epidemia é o cidadão, que tem o dever de estar informado e atualizado e cumprir com as diretrizes da Direção Geral de Saúde (DGS) e/ou conselho dos profissionais de saúde. Deve pois, sempre que aconselhado, aplicar estas medidas nomeadamente: autoisolamento quando necessário, evitar locais onde exista grande afluência de pessoas; e aplicação de medidas básicas de controlo de infeção como a lavagem frequente das mãos, com sabão ou solução de base alcoólica e a etiqueta respiratória (conjunto de medidas básicas que diminui a probabilidade de transmitir patologia infeciosa por esta via). Toda esta informação se encontra disponível no sítio da DGS (https://covid19.min-saude.pt/) ou no número de apoio ao cidadão 808 24 24 24.

Está na mão do cidadão juntamente com os profissionais de saúde travar esta epidemia, mesmo que não façamos parte dos grupos de risco e que a doença em nós possa ser ligeira temos de nos lembrar que a podemos transmitir a alguém que faça parte de um grupo de risco onde a mortalidade e a possibilidade de doença grave é elevada.

João Trepa

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