Isolamento e solidão: fatores de risco de mortes prematuras em idosos

A solidão é um conceito subjectivo que consiste em a pessoa se sentir só ainda que esteja rodeado de outras pessoas. Tratando-se de um sentimento é, por isso, subjectivo o que o torna difícil de mensurar e de o definir com exactidão, bem como de estabelecer instrumentos fiáveis para investigações de base populacional. No entanto é sempre retratado como um sentimento negativo, angustiante e sobretudo desagradável. Difere do conceito de isolamento, que é um conceito objectivo, pois significa estar só, isto é, isolada de outras pessoas e com ausência de relações com outras pessoas. No entanto, estes dois conceitos andam frequentemente associados, sobretudo quando se trata de população idosa. Vários autores procuraram estabelecer um consenso na definição de solidão dissociando claramente este sentimento do conceito de isolamento. Para estes autores também é consensual que a vivência de solidão é sempre uma experiência psicologicamente desagradável e angustiante para quem a sente, podendo levar à exclusão social e à depressão.

Devido às alterações demográficas sofridas nos séculos XX e XXI, quer pelas sociedades envelhecidas quer pelas que estão a envelhecer, verifica-se um número e uma proporção crescente de idosos a viver só ou com outra pessoa idosa, bem como uma geração já idosa a cuidar de uma geração ainda mais idosa. As alterações estruturais da família e do seu ciclo vital associados a grandes transformações tecnológicas (nomeadamente na área das tecnologias de informação) exigem uma constante actualização sob pena de ser difícil a partilha intergeracional. A falta de comunicação intergeracional é, também, um factor precipitante de isolamento e solidão em idosos.

Como Sousa, Figueiredo e Cerqueira afirmam, vigora uma sociedade sem tempo para respirar em que a preocupação com a produtividade e a prosperidade económica falam mais alto, remetendo os idosos para situações graves de solidão e exclusão. Nos idosos, frequentemente o sentimento de solidão pode surgir de um desfasamento entre o que são as suas perspectivas em relação à sua rede social e o que se verifica na realidade, criando neles um sentimento de não pertença e de desinteresse que frequentemente leva a um isolamento, aumentando, também, a sensação angustiante de vazio e de se sentir só. É uma experiência excessivamente penosa em que as relações sociais desejadas como mais próximas e íntimas são consideradas insuficientes ou mesmo inexistentes. Para Pocinho, Farate e Dias, a solidão é uma condição afectiva adversa acompanhada de cognições problemáticas e circunstâncias de vida desfavoráveis, estratégias inadequadas de resolução de problemas, padrões interactivos disfuncionais, entre outros factores de carácter individual e/ou social 

O sentimento de solidão está também ligado à personalidade do idoso, à sua capacidade de adaptação a mudanças sociais e familiares e à satisfação de vida. Quando a sua capacidade de adaptação está reduzida, ou surgem acontecimentos de vida (sociais ou de saúde) que levam a perdas irreparáveis, as expectativas em relação à rede social do idoso, podem ser maiores e consequentemente mais desfasadas da realidade, potencializando então sentimentos de solidão. Num idoso já fragilizado estes sentimentos podem desenvolver uma “cascata” de patologias que frequentemente conduzem à institucionalização deste ou à sua morte precoce.

Ao experimentar solidão, que é sempre um sentimento penoso frequentemente conducente a depressões, o idoso sente que os seus objectivos de vida não serão alcançados, desistindo por vezes de lutar por se manter ativo ou mesmo de viver, morrendo prematuramente.Com o aumento da longevidade observamos também uma diminuição da rede social do idoso, sobretudo se este não foi cultivando uma rede social que englobe membros de diversas gerações ou se não se conseguiu adaptar às novas tecnologias. No caso dos grandes idosos (mais do que no resto da população) estes podem vivenciar, em simultâneo, o isolamento e sentimentos de solidão que funcionarão como factores precipitantes de uma morte prematura. 

Kanso et al (2013) afirmam que intrínseco ao processo de prolongamento da vida está o conceito de causas de morte evitáveis, fortemente associado à definição de mortalidade prematura, introduzida por Dempsey. A maior parte dos estudos consultados sobre mortes prematuras em idosos referem-se sobretudo a causas orgânicas, como patologias cardio-cerebrovasculares e neoplasias, e, mais recentemente também a outras patologias cronico-degenerativas, em que de forma objectiva, a necessidade de prevenção primária se torna essencial. Porém são esquecidas as doenças de foro psíquico como a depressão que podem também levar quer directamente (ex. suicídio) quer indiretamente (ex. quedas, síndrome de fragilidade, solidão etc.) a mortes prematuras.

Num idoso a complexidade e o número de fatores que estão subjacentes a mortes prematuras aumenta muito, não só pelo facto de o cálculo de até quando um idoso normalmente deve viver, mas também por os fatores físicos psíquicos e sociais se tornarem indissociáveis uns dos outros, influenciando-se mutuamente como fatores precipitantes. Assim a existência ou inexistência de uma rede social afectiva e eficaz, o envolvimento dos serviços de saúde e sociais no cuidar do idoso, a morbilidade e co-morbilidade de que o idoso padece, são parâmetros a investigar, quando investigamos causas de morte prematura em idoso. Sentir-se só (solidão) é um sentimento que nem sempre se manifesta de forma contínua, mas de acordo com expectativas específicas experimentadas pelos idoso, porém o estar só (isolamento) pode ser vivenciado de forma constante, mas, enquanto nós podemos observar se o idoso está só, sem apoio de alguém, já a solidão (sentir-se só) só pode ser captada através da comunicação verbal e não verbal do idoso.

Uma equipa de Cuidados de Saúde Primários que presta cuidados continuados de forma centrípeta e centrífuga ao idoso e família e está em conexão com profissionais dos serviços sociais e comunitários, deve estar atenta a qualquer sinal de fragilidade do idoso, sobretudo nas últimas fases do ciclo vital, para que possam intervir precocemente e de forma preventiva. Deve também dar particular relevo à comunicação não verbal.A participação dos idosos em grupos de convivência, que contribuam para a sua socialização, ao mesmo tempo que lhes é proporcionado um espaço para execução de atividades e desenvolvimento de habilidades e novos conhecimentos, ajuda no combate à solidão e ao isolamento, devendo ser acompanhada de uma vigilância da sua saúde.

Azeredo e Afonso solicitaram a opinião de 73 idosos sobre como combater a solidão dos idosos tendo havido as seguintes sugestões por ordem decrescente: haver mais passeios/ convívios e haver actividades como canto, dança, ginástica, trabalhos manuais, etc.; a família estar mais presente/ não abandonar o idoso e haver melhor comunicação entre as pessoas. A necessidade de haver mais solidariedade intergeracional e de os jovens fazerem trabalho comunitário com idosos, foi também referido bem como a necessidade de haver mais apoio social.Assim, verificamos que, a opinião destes idosos (alguns deles também já sofreram de solidão) não difere muito da observada na literatura revista.

Referências bibliográficas

1 - Neto F – Psicologia Social (Vol II) - Lisboa Universidade Aberta (2000)

2 - Hossen A – Social Isolation and loneliness among elderly immigrants: the case of South Asian elderly living in Canada Journal of International Social Issnes 2012: 1;1; 1-10

3 – Azeredo Z; Afonso MA – Solidão na perspectiva do idoso. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia 2016:19(2); 313-324

4 - Sousa L; Figueiredo D; Cerqueira M – Envelhecer em família: os cuidados familiares na velhice Porto Ambar 2004

5 - Pocinho M; Farate C; Dias CA – Validação psicométrica da escala UCLA- Loneliness para idosos portugueses Interacções 2010;18; 65-77

6 - Cavalcanti KF; Mendes JMS; Freitas FFQ et al – O olhar da pessoa Idosa sobre a solidão Av Enferm. 2016: 34(3):259-267.

7 - Kanso S; Romero DE; Leite IC; Marques A - A evitabilidade de óbitos entre idosos em São Paulo, Brasil: análise das principais causas de morte Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2013 :29(4):735-748



Sobre a autora:

Zaida Azevedo é médica de Clinica Geral/ Medicina Familiar mo Porto, Mestre em Gerontologia Social Aplicada, Doutorada em Saúde Comunitária e Coordenadora da RECI/ Piagret Viseu (Research Unit in Education and Community Intervention).

Zaida Azevedo

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