Consegue a solidariedade chegar aos mais idosos?

O aumento da esperança de vida é reflexo de um decréscimo acentuado da mortalidade infantil e do acréscimo do número de anos de vivemos. Uma vida mais longa, com mais qualidade onde a transferência de saber e saberes, se incentivado o convívio entre gerações, tem inevitavelmente ganhos para a sociedade como um todo. É, todavia, necessário acautelar que todos, independentemente dos recursos financeiros de que dispõem, podem usufruir do bem-estar de que precisam, da atenção que a sua situação particular exige.

No caso particular dos mais idosos, a solidariedade assume particular importância, já que os ritmos e os cuidados têm características particulares que só à luz deste conceito e das respostas que lhe estão inerentes podem ser atendidos e prestados. Respostas sociais adequadas, estudadas e concebidas para quem está num estádio da sua vida que exige cuidados específicos podem e devem ser propostas e muitas são hoje felizmente as instituições que as propõem. Neste contexto, assume particular importância o voluntariado que, complementando o trabalho de profissionais, permite dar tempo e atenção, com solidariedade e amor, a quem deles precisa.O apoio domiciliário, propondo cuidados de higiene pessoal e da casa, por vezes até alimentação, é uma resposta adequada a quem pode permanecer na sua casa, vivendo onde sempre viveu, mas agora com uma ajuda que permite garantir a qualidade de vida que por vezes não pode ser assegurada de forma autónoma. A família tem aqui um papel determinante e não pode demitir-se das suas responsabilidades, embora, nem sempre disponha hoje do tempo que seria imprescindível. Neste caso, prestações que se completem e complementem, são uma boa alternativa e permitem proporcionar os cuidados necessários e a transmissão de afetos.

Existem hoje várias organizações que perceberam que o trabalho de voluntários dedicados no apoio aos idosos, pode realmente constituir uma mais valia em termos de solidariedade para com os mais idosos e propõem uma rede de amigos que vão a casa das pessoas mais velhas, por vezes com limitações físicas que as impedem até de sair de casa, obviando à solidão e isolamento que grassam sobretudo nas zonas urbanas, onde o sentido de vizinhança se perdeu ou está hoje esbatido. Voluntários amigos, que adoptam um idoso, o visitam, apoiam, conversam, dando tempo e atenção e estabelecendo relações que minoram sofrimentos.

É nesta solidariedade intergeracional prestada por pessoas que não tendo laços de sangue passam a ter laços de coração, que creio dever ser feita uma aposta pelos ganhos para ambas as partes.São diversos os exemplos que poderia citar, por vezes realizados por jovens que visitam idosos e ganham “avós”, por estudantes que estabelecem contacto real ou virtual através da internet, mas com uma regularidade que permite aos idosos a certeza de que ainda são importantes porque naquele dia, àquela hora, vão ter uma visita com alguém que está preocupado consigo, numa esperança que gera vida. 

Existem ainda muitos idosos que escapam à malha da solidariedade e é por estes que defendo que é necessário encontrar soluções de proximidade, inovadoras, que não deixem ninguém entregue à sua sorte, esperando e desesperando.

Acredito que uma sociedade verdadeiramente solidária e comprometida tem de olhar para a situação dos idosos, garantindo que recebem realmente tudo aquilo de que necessitam, tudo aquilo que realmente têm o direito de esperar.


Sobre a autora: 

Licenciada em Economia na Faculdade de Ciências Humanas na Universidade Católica Portuguesa, Isabel Jonet é presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, do Banco Alimentar Contra a Fome de Lisboa e do Conselho de Administração da Federação Europeia dos Bancos Alimentares. Foi adjunta da Direção Administrativo-Financeira da Sociedade Portuguesa de Seguros entre 1983 e 1986 e da Direção Financeira da Assurances Général de França em Bruxelas em 1987. Trabalhou no Comité Económico e Social das Comunidades Europeias, em Bruxelas, entre 1987 e 1993. Também no ano de 1993 iniciou a sua atividade como voluntário no Banco Alimentar contra a Fome. Em 2004 fundou a “ENTRAJUDA”, ocupando o cargo de presidente, projeto inovador na área da solidariedade social, que visa dotar instituições de solidariedade social com instrumentos e recursos de gestão e de organização suscetíveis de aumentar a eficiência dos seus meios e a eficácia dos seus resultados. Isabel Jonet concebeu e participou no lançamento de uma série de outros projetos, nomeadamente a Bolsa do Voluntariado, o Banco de Bens Doados, o Banco de Equipamentos e o Dr. Risadas.

Isabel Jonet é membro do Conselho Estratégico do semanário Expresso, bem como do Conselho de Orientação Estratégica da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa. Desempenhou o cargo de curadora da Fundação da Universidade de Aveiro e da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Entre Junho de 2007 e Dezembro de 2008, foi membro do Conselho Estratégico do Hospital Amadora-Sintra. Devido ao seu trabalho notável, nomeadamente na área dos mais carenciados, foi já agraciada com uma série de prémios: Prémio Mulher Ativa 2000; Prémio Carreira, da Universidade Católica, em 2000 - 1ª edição; Prémio D. Antónia 2007; Personalidade Europeia de 2012, atribuído pelas Selecções do Reader's Digest; Prémio Femina 2011, por atos de Humanitarismo em prol da dignidade e direitos do Ser Humano; Prémio Carreira da ANJE 2015. No ano de 2011 o Banco Alimentar contra a Fome, representado pela sua presidente, foi condecorado como membro honorário da Ordem da Liberdade.

Isabel Jonet

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